Houve um salto da semana 3 pra semana 4 pois eu não estive presente na visita técnica ao Museu Bispo do Rosário. Adoeci e lamentei muito essa falta, embora ela fosse bastante justificada, eu estava ansiando por estar presente nesse contato mais próximo com as obras do Bispo. Infelizmente não rolou, mas é possível que ainda aconteça.
Começamos essa quarta semana com a visita de Zilda Chaves, da Escola Quilombista Dandara que fica no Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro. Zilda é uma liderança comunitária, uma mulher preta muito simples, que trabalhou a vida toda e depois de aposentada, se juntou com um grupo de pessoas do território para pensar ações. O grupo se desfez, mas um projeto seu nasceu. Seu para o território, pois ela defende que ali nada é dela, ela só começou. Inicialmente em sua própria casa, com aulas de reforço, depois em um espaço próprio. É inspirador o contato com pessoas como Zilda. "Nosso território é onde a gente começa a evoluir" Ela disse que o verbo dela é acreditar, fiquei me perguntando qual é o meu. Zilda era amiga pessoal do Nêgo Bispo, de tomar café junto e papear sobre a vida. Ela nos indicou um vídeo com uma fala dele, contou bastante sobre sua vida e trouxe pra gente ver o seu livro. No final cantou uma canção de Dona Ivone Lara para conectar com o tema Caminho. Muita força.
Já no sabado tivemos um dia inteiro no MAR. Primeiro pra falar de nossos processos, depois para encontrarmos a artista Lua Cavalcante, que veio diretamente de Brasília pra nos provocar.
Na primeira parte da manhã, um enorme papel pardo foi aberto pra gente começar a esboçar nossas ideias, o que estávamos projetando para a exposição. Me dei conta mais uma vez do quanto é difícil falar do meu trabalho, mas sem dúvida essa experiência do Elã está contribuindo demais pra isso. Eu disse o nome, rabisquei a forma que irei propor em uma escultura e comentei sobre os meus meus caminhos de referência.
Estou trabalhando com esse ponto cruzado, a forma do asterisco. Nele habita a noção de eixo e direção, o eixo como o Tempo e as direções como o Espaço. O trabalho é uma saudação a Exu. O caminho é o corpo, como escrevi na minha inscrição, a dança é a ferramenta de conexão. Me senti muito tocada e provocada pelos processos dos colegas, verdadeiros mergulhos.
Jean: "de que maneira meu trabalho responde a esse fluxo e se assenta num lugar?"
Já a tarde com Lua fizemos primeiro uma dinâmica bem interessante, onde ela nos propôs construirmos uma pequena obra com alguns materiais que ela nos trouxe do local onde ela trabalha como educadora. Era papel paraná, linha, uns pequenos objetos de impressora 3D, alfinete, um papel azul como cartolina e tiras de folhas de ofício. A premissa era selecionar 3 palavras que tinham relação com nosso processo e dentre 1 delas escolher uma pra referenciar a pequena obra, apresentar as 3 palavras e esperar que nossos colegas adivinhassem qual palavra era. As minhas eram: direção, segredo e saudação. Escolhi direção pra trabalhar em cima.
Depois Lua apresentou seu trabalho e eu fiquei bastante encantada, especialmente com sua proposta de título Oratório de Santa Maria Garra e o fotolivro Boca d'água. No oratório a essa santa fabulada dos aleijados, Lua trás elementos ao seu culto, tudo muito vermelho e uma foto dela montada de santa. Gostei muito de entender a noção dela de autorretrato como algo que se expande, não fica só na fotografia, mas em toda e qualquer superfície que plasme o artista. A Maria Garra também tem uma pequena escultura produzida por um artista a convite de Lua, tem fotos, tem objetos, tem sua vestimenta (aliás, um grande e belissimo manto). Isso me deu ideias... talvez "Ponta Solta" não seja apenas um título, mas uma entidade.
Já o fotolivro trás muito dessa concepção de autorretrato também. Lua também trabalha com linhas como sutura, o acetato fazendo referência aos seus inúmeros Raios-X. Ela, uma pessoa que possui uma deficiência rara e já passou por inúmeros processos cirúrgicos, inventa e reinventa seu próprio corpo. Depois, batento um papo com Céu, outra residente e também deficiente ou aleijada como elas mesmas se identificam, ela disse "é muito bom não ser a única pessoa assim em um espaço". Mais cedo, na apresentação, Céu também fez uma fala super pertinente e importante sobre acessibilidade, trazendo inclusive a referência de uma exposição grande do MAR que fomos na abertura e que não possuía nenhuma medida de acessibilidade. Fiquei pensando em trazer já no processo criativo do meu trabalho uma medida de acessibilidade, que muito provalvemente se desdobrará na sonoridade. Faz muito mais sentido pensar nisso no antes e no durante, para o depois não seja apenas um remendo, algo que não servirá para promover o acesso, mas apenas "ficar bem na fita".
Lua também nos indicou antes da aula, vermos esses dois vídeos: