Elã - Caminho - Semana 1
Tem o nome de Escola Livre de Artes, mas tenho chamado de residência o que estamos fazendo. Esta foi a primeira semana, resolvi registrar em palavras para que eu consiga desenvolver através dessas percepções do processo, a continuidade da minha pesquisa que vai culminar - muito em breve - em uma obra para ser exposta.
Esta é a quinta edição da formação, acontece todo ano. Reunindo 12 artistes de territórios diferentes, tendo eu e mais uma da Maré, a proposta é confluir. Confluir, sabe? Isso que Nêgo Bispo sugere e não a toa é citado no texto de apresentação do tema desse ano: Caminhos. Confluir é O verbo.
Os encontros estão sendo em maioria no Observatório de Favelas, ali na Teixeira, na Nova Holanda. No primeiro nos apresentamos, somos: Alessandro Fracta, Caio Luiz, Fava da Silva, João Victor Costa de Souza, Kiara Naná Queiroz Brito, Madah Sodré da Silva Madalena, Albarte, Renata Leoa, Tauã Santana dos Reis, Thanis Parajara de Castro, Céu Vasconcelos e eu. Logo na apresentação já fiquei de orelhas em pé pra entender com quem poderia trocar e surgiram muitas coisas sobre corporeidade na fala da galera.
Curioso é que eu me inscrevi quase meia-noite da data limite, pensei algumas vezes antes de me inscrever e, depois de uma conversa com uma amiga sobre o ensinamento de um Malandro, eu apenas tive o ímpeto de abrir o formulário e ir. Estava com portfólio atualizado, sabia o que queria com aquela submissão e comecei o textinho que pedem para que a gente escreva sobre como meu trabalho se relaciona com o tema falando dele, de Exu. Não tinha como ser diferente. Escrevi que o corpo é o caminho e o caminho é Exu, algo assim, não lembro muito bem a ordem mas ela nem importa tanto. É cíclica essa relação.
No sábado e no domingo nos encontramos novamente e domingo foi um dia de andar pela Maré junto da primeira convidada da residência, a Pâmela Carvalho. Simpatia e muita informação junto do Bhega, um querido morador que desenvolve um projeto pras crianças chamado "Cineminha no Beco". Não conhecia o Bhega. A Maré é gigante mesmo e nela vivem muitas personalidades. Reconhecido pela produção da Xuxa, ele ganhou uma filmagem com direito a presente no final entregue pela apresentadora, é uma motinha onde ele consegue transportar o necessário para fazer o cinema itinerante acontecer.
Depois a gente foi na quadra do Gato de Bonsucesso, a escola de samba da Maré e ouvimos algumas histórias do presidente de honra ou o mais velho do rolê, depois fomos comer na Amparo, passamos pelo Museu da Maré que estava fechado naquele momento, fizemos uma parada na Areninha Hebert Vianna e pegamos um show da Preta Queen B Rull, a drag rainha dos baixinhos, então finalizamos na galeria aberta do Tijolinho, um projeto tocado pela Kamila Camillo, nada mais nada menos que filha do presidente de honra do Gato. Um dia bom pra se guardar na memória, mais um dia sendo Maré e vivendo a Maré.
Finalizando essa primeira semana, só pude concluir com alguma angústia que é muito pouco tempo pra eu me dedicar a essa obra, mas que ela está encaminhada e muito inspirada pela Maré. Penso muito na minha inscrição nesse chão, em como meu corpo habita esse lugar dentro e fora dele, afinal eu sou Maré mesmo não estando na Maré. Aquela coisa do "meu nome é favela", onde a palavra favela é preenchida pelo lugar de onde a gente é cria. E por que não trazer toda carga de informação desse corpo nesse momento? Estou em trânsito, estou me mudando, estou reconhecendo de maneira mais concreta cada dia mais a Força de quem me acompanha e no que isso influencia no meu movimento. O que isso quer dizer? Eu ainda não sei muito bem, mas sei que a macumba tem a ver com isso, a Maré tem a ver com isso, a fluidez de gênero tem a ver com isso. O que isso quer dizer? Eu ainda não sei bem, mas estou traçando um caminho junto de Seu Zé, a quem muito em breve vou assentar pra começar os meus trabalhos em um kwe (casa) cruzado com umbanda.
Posso dizer que agora eu entendi porque artistes de axé fazem tantos trabalhos nessa guiança dos Orixás e entidades, não tem como ser diferente. Não precisa ser reprodução, algo categórico, mas inspirado e guiado é sempre. Não tem como ser diferente uma vez que se entende que estamos aqui para estabelecer essa conexão e é ela que nos estabelece. Somos esse contato a partir do momento que vivemos nele/com ele. Enfim, reflexões... sigo fazendo o caminho e sendo feita por ele.