Sonho e Cômodo

Tem um sonho que sempre se repete pra mim. Aliás, um cenário que sempre revejo em sonhos. O mesmo cenário emergindo dos meus cenários oníricos em várias noites (ou dias, porque eu também sonho de dia).
Esse cenário é o banheiro. Um, em especial, mas muitos outros já foram construídos pelo meu subconsciente. 

O banheiro especial é o banheiro da igreja que frequentei dos meus 0 aos meus 19 anos. Esse banheiro é claro e tem dois grandes espelhos, um de frente e um na lateral, um horizontal e um vertical. As cabines reservadas ficam a direita quando entramos, as pias ficam a esquerda, no canto da mesma parede tem um chuveiro. As paredes eram de mármore, talvez, mas o banheiro era bem claro. Sempre que me direciono a um desses grandes espelhos, me aproximo mas não vejo meu rosto refletido. Fico pensando se já me vi refletida no espelho em sonho... Acho que não.

E pra não dizer que esse cenário nunca apareceu em nenhuma produção artística minha, Cômodo me veio a mente. Um curta que eu filmei e editei no banheiro do meu módulo lá no Alojamento, no Fundão, num dia em que Aza tinha ido me fazer uma visita das que vez ou outra rolava. Eu estava inquieta, pensando em me isolar ou querendo me isolar pra ver o que ia acontecer com esse incômodo. Disse pra Aza esperar um pouco e fui com a câmera pro banheiro. Fiquei lá não sei quanto tempo, talvez alguns minutos, talvez algumas horas.

Editei no mesmo dia, mas o título veio depois, durante, também não sei. Sei que consegui transpor as minhas sensações pra um filme que depois chamei de Cômodo. Todos os meus delírios de estar e não estar, ser e não ser, me identificar e me desidentificar, claro e escuro. É um filme que joga no princípio da dualidade mas define-se parcial, sem um lado ou outro. É cinza, mas tá presente na série tátudopreto. 

Ah! A trilha inicialmente era de um instrumental bem maneiro que eu peguei na internet, mas depois de alguns aninhos eu tive vontade de inscrever esse curta em alguma mostra e pensei no lance dos direitos autorais. Primeira vez, aliás, que inscrevi esse trabalho foi em alguma edição do festival Curta UERJ, depois eu inscrevi na Mostra Presente e pra essa edição eu reeditei a trilha colocando um som que eu produzi durante os workshops da Colette Aliman durante o programa de pesquisa da University of The Underground (NL), o tema dessa edição que participei foi If I can,t dance, I don't want to be part of your revolution. Depois eu escrevo mais sobre essa experiência, que eu não levei até o "final" mas me rendeu alguns negócios bacanas.

Doido como a gente vai entendendo nossas escolhas no passar do tempo, né? Não adianta espremer, o todo se define no processo.


sinopse

¯
entrei ofegante e me despi
despiram-me todos
■s incômodos
obrigada ou não, era hora d'eu sentir
e era doloroso reconhecer a superfície
extensa e vasta -
esse pedaço de terra que me colocaram
e que assumo
aqui não tem pra onde ir
entre uma parede e outra do menor
cômodo da casa
eu. só. sou. eu.
_