Pausa: modos de operar em scanner¹

É de uma precisão muito sutil a observação que a prática da Eutonia propôs-me. O toque também, que escuto com o corpo e agora sim posso dizer que escuto, porém sem ignorar o caminho de silenciosos e pausas que tracei e scaneio aqui, em palavras. O silêncio e a pausa, para existir, precisam da consciência e me deparei com a busca da mesma durante o processo em aula, partindo da pergunta formulada como estímulo inicial: onde mora a consciência do corpo?
Dado esse início, muitas outras questões distribuíram-se por minhas camadas, muitas delas apenas identifiquei quando tinha me convencido que elas nem existiam mais; acontece que esse convencimento só me fez perceber que nada deixa de existir no corpo, tudo que surge apenas espalha-se ou acumula-se na extensão que ele comporta. O convívio, o outro, me faz entende onde é possível vazar e assim vejo estados que inaugurei, servi de referência ou atravessei, gerando identificação, incômodo, recepção ou outros estados possíveis.
O enlace inicial com a prática da Eutonia só pôde ser sentido através do conforto de saber que eu estava em casa, a pausa do reconhecimento que permitiu-me demorar nas questões que precisam de tempo e solucionar as que eu já identificava todos os pontos de ação, tratando de me voltar para esse lugar que pertenço de fato e só eu podia dizer o quanto, como e de que modo isso é possível, no meu corpo. Estar presente é importante. A frustração dos resultados que surgem em cobranças silenciosas, então, se espalha até diluir.
Na leitura do primeiro texto, “O Self em Eutonia”, foi impossível não criar relação com uma prática constante: a de olhar pra si através de uma imagem reproduzida, da imagem curtida, da imagem compartilhada que estamos familiarizados em tempos atuais. Questionei-me sobre quem me via, como me via. E aí, sim, mais uma vez citando “o outro’’, para entender que relação compartilhada com o outro é a que vivemos. A prática da Eutonia conduziu o olhar para mim a partir do incômodo inicial, sentido e entendido nela mesma como a consciência motriz que proporciona a conquista de mais espaço em si e consigo.
Os textos sugestivos e em prática não se entendem, para mim, citados. Os escritos são condutores, as informações obtidas, todas, são entendidas com uma inteligência pouco explorada, a inteligência corporal. Para cada “com essa perna eu senti menos incômodo”, “estou caminhando melhor” ou informação similar, um registro era computado e eu podia ver todas as conscientes "máquinas" presentes em sala, em processo de scanear. O scanner é entendido, aqui, como a ferramenta-corpo-máquina que utilizo para me trazer conscientemente a um processo revelador de mim, por este motivo é um dos objetos escolhidos a compor o espaço cênico em “pausa: modos de operar em scanner”. O segundo, um banco dos mesmos utilizados em aula, foi onde sentei-me para a leitura, feita em uma dinâmica anteriormente elaborada (imagem 1).



Para a elaboração do texto lido durante o fragmento apresentado, parti da experiência registrada desde o início do período cursado, onde registrei os caminhos do corpo em escritos intitulados ‘autorretrato do corpo’ (imagem 2), escritos esses que busco, através da memória de um curto período (em média 2 a 3 dias), registrar experiências, descrevendo imagens, sensações, sons gerados e geradores, em uma espécie de - nomeado pela Eutonia – inventário. Reunidos os registros em desejo de partilha, os minutos em cena, foram ocupados por ela. Partilhar estado de presença em cena fora uma escolha desafiadora que fiz-me, porém consciente.
Retorno ao dia que, durante uma prática em sala, bati com a parte posterior da cabeça no chão. Uma vez com o peso solto, a cabeça afirma seu lugar de ser a parte que mais pesa de um corpo humano e, após o susto da pancada, pude sentir o peso da minha. O peso impresso na queda fez com que eu me questionasse se estava tudo bem por tê-lo sentido, afinal bater joelho, canela, braço ou qualquer parte do corpo sobre uma superfície tão sólida quanto o chão era mesmo menos grave que bater a cabeça Era um simples alerta de unidade que recebi e registrei, comparando à experiência de Gerda Alexander, a criadora da prática da Eutonia, ao ser alertada em diagnóstico que levou-a investigar sete camadas de pele a dentro de entendimento. O corpo está para a partilha, e nós podemos ser todo o tempo esse entendimento. Ser o próprio corpo entendendo que, como na frase que encerra o texto que acompanha o fragmento apresentado, temos o corpo que nos cabe.

¹ Texto para a disciplina ministrada pela Profa. Ma. Letícia Teixeira, Prática Corporal Para Dança: Eutonia, que recebe o mesmo título do fragmento cênico apresentado na mostra InDisciplinas 2017.2 dos cursos de Dança, inscrito como uma proposta cênica que parte das experiências com o conhecimento eutônico em partilha

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Enviei o texto à Profa. Letícia Teixeira em 15 de dezembro de 2017. Letícia ministrou a disciplina de Eutonia, que frequentei no curso de Teoria da Dança - UFRJ. O hábito de escrever o autorretrato do corpo se manteve, agora em um caderno específico, apenas para isso, que ganhei de presente do autor da primeira foto acima, o Renan.