o ciclo Terra de Bich0 x3

Desenvolvo esses escritos agora para encaminhar a continuidade de um processo. 
Este post é uma encruzilhada. 

A pesquisa Terra de Bich0 começou a nascer em forma lá em 2017, no projeto de pesquisa Corpo Estranho, que é um projeto coordenado pela Mestra Aline Teixeira e faz parte do Departamento de Arte Corporal da UFRJ. Dou esse chão muito mais pra localizar num tempo e espaço, marcar um ponto. Se faz necessário, mas claro que vale dizer que essa pesquisa está nascendo e morrendo comigo. Como tudo que faço emergir nos meus processos artísticos.

[A pesquisa faz parte do eixo composto mulher-corpo-animal e o post para detalhar cada um dos três eixos ainda não ficou pronto, mas dá pra entender bastante coisa pelo nome auto explicativo.] 

Demorei um tempo pra chegar até esse ponto, o de olhar para o corpo construído até agora. Talvez porque, e é até meio óbvio, eu realmente tenha precisado reunir esse material. Foram três as ocasiões em que Terra de Bich0 se abriu às testemunhas, se mostrou, se colocou em relação. Em cada uma dessas vezes, o trabalho se configurou a um espaço para que pudesse existir. Foram espaços distintos de experimentação e eu deixei-me afetar com isso.

O processo de laboratório ainda no projeto Corpo Estranho foi marcado por algumas tardes de investigação solo-coletiva; estávamos todos dividindo uma sala, mas cada um estava mergulhado em sua pesquisa. Evidente que as afetações aconteciam com frequencia, uma prova disso são os próprios processos de cada um, que dialogavam sem falar o mesmo idioma. Isso fazia parte do propósito para o coletivo, já que a finalização de ciclo foi um trabalho de montagem cênica que envolvia todo este. Eu saí antes desse momento em grupo, mas pude apresentar a pesquisa uma vez no evento acadêmico mais importante da UFRJ, a Semana de Integração Acadêmica.


Defini uma trajetória tanto para a minha ocupação do espaço quanto para as minhas escolhas em cena. Aqui a corda é um objeto que constitui o meu corpo, representa algum limite, é uma espécie de rabo móvel ou cérebro desconfigurado - ainda busco localizar. Defini uma cor que dificilmente não seria preto. Trabalhei alguns estados, mas considero que o principal momento é o momento em que "solta o ponto". Do caminhar em quatro apoios que eu experimentava religiosamente em laboratório, surgiu a movimentação desse momento destacado, onde busco erguer minha bacia em um duelo com a gravidade. Ela vence e eu mudo para a dinâmica do rastejar, para continuar habitando de outra forma o espaço cênico. Nesta primeira amostragem o espaço cênico é o que é, um lugar em que diante de uma banca avaliadora, eu exponho o corpo em decomposição que que foge para a fuga. 
A música é o som ambiente que marca integralmente o tempo de apresentação e determina um andamento descontínuo. 

 Dou destaque ao encontro com os escritos de Stela do Patrocínio que se deu desde o início dessa experimentação, quando depois de ganhar o livro Reino Dos Bichos e dos Animais é o Meu Nome passo a ter um contato mais íntimo com as palavras dela. Palavras essas que são justo isso que ouvi de Jota Mombança esses dias "a fuga para a fuga", que menciono acima. O fundamento de Stela é construir a partir de matéria escura, construir a partir do não-lugar, do sujeito sem nome que se nomeia e renomeia. Stela se diz bicho, varia a espécie e não se compara. Apenas é. O nome da pesquisa veio daqui, desse encontro, desse lugar. 

Depois dessa primeira vez, parti para uma investigação mais assumida com a câmera e com o espelho. Em geral a sala que ficávamos nas tardes de segunda tinha um enorme espelho em uma das paredes laterais. Enorme mesmo. Tive que lidar com ele e aos poucos ele começou a integrar a minha busca. Claro que além de lidar com a ressalva do espelho sozinha, eu ainda precisava considerar o olhar do outro nessa investigação, tanto que tenho a memória de realizar alguns laboratórios em casa frente ao espelho, sozinha de frente pra mim, ganhando formas. 

A segunda vez de Terra de Bich0 foi na Ocupação Ovarias, em dezembro de 2018. Aconteceu no Centro Cultural Municipal Laurinda Santos Lobo. Chamei a Agatha pra me ajudar com o som, ela aproveitou e tirou algumas fotos, já que a filmagem seria feita em tempo real.



Aqui eu adiciono mais uma parte de mim: a câmera. Ela é ligada antes mesmo das pessoas entrarem, enquanto eu ainda espalhava o cheiro do palo santo na sala. Bem menor que o Salão da primeira vez, mais compressão e menos ar. O som ambiente foi o mesmo, ficou mais alto. Agora me constituíam a câmera e a corda, uma eu encarava e a outra me envolvia. O espelho, a self, o outro. Me distrai comigo pra encarar o desconforto, mas não evitei o contato. Não consigo evitar. Brinquei com a corda por quase 18 minutos, lembro que terminei antes. Antes que as pessoas aplaudissem mais, eu parei pra falar. Foi realmente uma situação-limite pra mim e penso hoje na minha razão ou desrazão de fazer poucas escolhas para a cena ou basicamente não marcar. Tenho questões de bloqueio com a repetição, embora hoje eu perceba que as minhas escolhas mais determinantes se repitam.


Encerro minhas atividades no Projeto de Pesquisa Corpo Estranho, muito nutrida das formulações coletivas, mas também muito afim de percorrer um caminho com a pesquisa solo Terra de Bich0. Passo a adentrar dimensões mais profundas, o referencial passa a ser a animalidade e não apenas o animal. Desde sempre fora uma proposta simbiótica e surpreendentemente passa a ficar cada vez mais. 

A terceira amostragem foi na Mostra Mais de Teatro UFRJ, em Junho de 2019, no teatro Vianninha. Como registro, insiro um vídeo com parte da cena filmada - a câmera descarregou - e um depoimento em áudio que gravei após apresentar. 


Os óculos espelham o desconforto. Novamente esta palavra e aqui já deu pra entender que estou trabalhando com ela, aplicada. Neste depoimento que sobrepõe os vídeos falo muito sobre as minhas sensações a respeito do trabalho, de como vejo minhas escolhas após tê-las apresentado e de como a adição de mais elementos/objetos me ajuda a expandir pra limitar. Estou de colete, óculos e blusa de botão, faço um sorteio com nome de animais do Jogo do Bicho e recebo (depois) uma mensagem de alguém me perguntando como faz pra jogar, levo uma ratoeira e o meu tarot. A corda está lá, agora amarrada no pé e na cadeira. O som ambiente mudou, inseri um áudio trabalhado em vozes e sonoridades. Tinha lobo guará, Marielle, Dicró, Carlos Harmitt Astrologia, Funk do Jogo do Bicho e silêncio. Levei a bíblia e um dos meus livros de Lilith também, coloquei a bíblia na frente do livro de Lilith, mas li só o segundo, uma parte que o autor fala de como se conta que Adão se relacionava com os outros animais. Foi realmente um transe. +

Sinto que com estas três apresentações, encerro um ciclo junto da proposta, pronta para inciar outro. Três é um número ótimo para ciclos, flui bem. Sinto que agora esta pesquisa está se encaminhando de encontro as palavras; intimidade, identidade e transição. Ainda não sei bem o que isso representa, mas entendi que desde sempre estava falando de mudança. Da minha mudança. Mudança também fala de adaptação, ocupação e inclusão. O movimento da mudança é espiralar e eu tenho muito a liberar nessa gira em Terra de Bich0.

Os sentidos estão ganhando profusão.